domingo, 16 de outubro de 2011





Dizer uma coisa para significar outra

Nem sempre, ao se produzir um texto (verbal ou não verbal), há correspondência direta entre o que se disse e o que se pretendeu dizer. Por exemplo, quando se diz a um atacante que desperdiçou três pênaltis numa mesma partida: “Você é craque! Sabe bater pênaltis”, claramente não há adequação entre o dito e o que se desejou dizer. Estilisticamente, o autor do texto desenlaçou o discurso da sua real intenção. Na verdade ele quis de dizer que o atacante é péssimo, que entraria para o Inacreditável Futebol Clube, porém, produziu o discurso contrário. O receptor, assim, claramente percebe a intenção do autor, mesmo que haja um conflito entre os dois discursos: o proferido e o entendido.

São vários os recursos que possibilitam tal construção, tal oposição. Monologarei sobre alguns deles.

O primeiro e mais famoso recurso é a chamada Ironia ou antífrase. Ele consiste em dizer alguma coisa quando na verdade se diz o contrário do que foi produzido, como no exemplo do grande atacante do primeiro parágrafo. Afirmou-se algo que, na verdade, o produtor queria negar. Outra ilustração desse processo pode ser observada quando um marido descobre, depois de casar, que sua recente esposa possui defeitos irreversíveis e insuportáveis e diz “O bom é que eu fiz a escolha certa. Casei com uma mulher perfeita.”  Na verdade, o pobre homem está arrependido da escolha que fez para sua vida. 

Outro método interessante que se deve relatar é o que se chama lítotes. Nesse expediente, diz-se menos para dizer mais. Isto é, atenua-se o que se quer dizer, para que o leitor entenda de maneira mais forte e enfática. Por exemplo, um singelo passeio com a filha de 12 anos de idade no shopping despertará em nós os desejos mais primitivos de ódio e angústia, todavia, em vez de ofender a pobre menina diretamente, o pai dirá “você não é nada consumista, hein”. A intenção de seu discurso era enfatizar e até exagerar o adjetivo consumista, mas o autor o faz de maneira atenuada. 

O terceiro e não menos importante recurso é a chamada preterição. Ocorre quando se diz alguma coisa e ao mesmo tempo se nega ter intencionado dizê-la. Por exemplo, um professor que goste de revelar em todas as aulas os seus feitos, seus salários, suas publicações, diz – “Sou servidor público federal, escrevi três livros, ganho uma fortuna e tenho os carros mais caros do mercado. Não quero, no entanto, vangloriar-me”. Será?

Há também o famoso eufemismo, que ocorre naquele conhecido caso em que um político pratica o roubo para ficar ainda mais rico. Por questões de prestígio social, eufemisticamente, a imprensa não divulga que ele roubou, e sim que ele “enriqueceu por meios ilícitos”, dá até vontade de fazer o mesmo de tão bonito, suave e agradável que é esse nome.

O último processo é mais que um sinal de pontuação, é um valioso expediente linguístico no qual se diz algo, mas fica sugerido de modo vago o que realmente se queria dizer. A reticência. Por exemplo, uma conversa de bar entre amigos – Amigo, sinceramente eu te acho um cara muito feio de cara e de corpo, mas a sua irmã...  Nesse caso, mesmo que se tenha suspendido a declaração, fica evidente o que se pretendia dizer.  

Ousem pensar


Fabrício Dutra 

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