sexta-feira, 28 de outubro de 2011



Reescritura de Frases, paráfrase.

Parafraseando o funk... “Quer fidelidade? Arruma um cachorro. Quer romance? Compra um livro. Quer amor? Volta a molhar com seus pais”. Além do equívoco de iniciar o meu texto com uma letra tão ordinária de funk, cometi, propositadamente, outro erro. Um engano que muitos falantes do Português cometem: usei indevidamente o termo parafrasear.

Parafrasear não significa “repetir as palavras de”. O ato de parafrasear consiste em transcrever, COM NOVAS PALAVRAS, as ideias centrais de um texto. Para que uma paráfrase seja plena, é necessário que, de alguma forma, mantenha-se o sentido do texto original. Esse processo tem sido bastante cobrado nos concursos públicos atualmente, por exigir conhecimento global do português, cobrando do candidato que faça diversas correlações entre os elementos da Língua Portuguesa.

A correta paráfrase do funk acima, então, seria:

“Caso você possua interesse em uma relação pautada em fidelidade, sugiro que obtenha um cachorro de estimação. Se pretende se envolver em um romance, adquira um livro do gênero. Intenciona viver um amor? Aconselho que volte a residir e conviver com seus progenitores."

Vários recursos podem ser utilizados para se parafrasear um texto. Abaixo citarei alguns.

O emprego de sinônimos é uma saída interessantíssima para se reescrever uma frase. Visto que termos sinônimos são termos que possuem o mesmo ou quase o mesmo significado. Exemplo:

Embora tivesse treinado, perdeu o jogo.
Por mais que tivesse treinado, perdeu a partida.

O segundo recurso que aqui será apresentado é a mudança de voz verbal. A título de revisão, as vozes verbais mudam ao passo que a importância do sujeito na oração também muda. O autor, então, alternando a voz do verbo de ativa para passiva, muda o foco do enunciado. Na voz ativa, o sujeito, que pratica a ação, é o elemento a que se dá destaque. Já na voz passiva,  o termo que sofre a ação passa a ser sujeito paciente, recebendo, por conseguinte, o destaque citado. Vamos ao exemplo:

O artilheiro fez um lindo gol (suj. = artilheiro – agente – foco)
Um lindo gol foi feito pelo  artilheiro (suj. = um lindo gol – paciente – foco)

Nesse método é essencial atentar para o tempo e modo verbal da voz ativa. Na voz passiva, deve-se manter a correspondência em relação ao aspecto verbal, a flexão se verificará no verbo auxiliar (fez – pretérito perfeito; foi– pretérito perfeito).

O terceiro recurso apresentado é a troca de discurso. Pode-se converter um discurso direto para discurso indireto, mantendo o conteúdo do enunciado, o que mudaria, simplesmente, seria o fato de o narrador conferir mais autenticidade ao que o personagem fala no discurso direto; e estabelecer um maior afastamento no indireto.

(D. Direto) Naquela manhã, Pedro dirigiu-se à mãe dizendo:
- Limparei a casa toda.
(D. Indireto) Naquela manhã, Pedro dirigiu-se à mãe dizendo que limparia a casa toda.

A mudança na ordem dos elementos oracionais também é um método bastante cobrado nos principais concursos. Muda-se a ordem dos elementos, todavia, não se altera o conteúdo da mensagem. É preciso tomar cuidado para que tal deslocamento não altere o significado. Vamos ao exemplo:

Estudando Português, conclui que minha vida melhorou em todos os sentidos.
Conclui que, em todos os sentidos, estudando Português, minha vida melhorou.

Note que contextualmente nada mudou em relação aos significados dos enunciados. O que não ocorreria no seguinte exemplo: Uma pessoa determinada consegue sucesso. Uma determinada pessoa consegue êxito. A alteração da posição do adjetivo e seu núcleo acarretaria mudança de significado.

Para finalizar estas breves considerações sobre a paráfrase, recomendo um método conveniente de igual forma: o uso de antônimos com apoio de palavras negativas. Não se desespere! É o mais simplório de todos. Lendo um exemplo, já fica claro do que se trata.

Ele era fraco
Ele não era forte.

Ronaldinho Gaúcho é traidor
Ronaldinho Gaúcho não é fiel (ao clube que o projetou).

Bons estudos e tente praticar o conteúdo resolvendo exercícios de tudo que acima exposto foi.

Ousem pensar
Professor Fabrício Dutra

quinta-feira, 20 de outubro de 2011






Modos de citação do discurso alheio, vulgo fofoca.

A análise dos discursos dos personagens que integram um texto é de extrema importância tanto para a produção textual, quanto para a interpretação das intenções do autor de um texto, além de ser um assunto bastante abordado pelas principais bancas do nosso Brasil. O Narrador pode inserir a fala dos personagens por meio de três formas, dependendo totalmente da sua intenção de envolver mais o personagem na história, ou de conferir a uma declaração um matiz de veracidade e autoridade maior. Os processos de introdução de discurso alheio são: Discurso direto, discurso indireto e discurso indireto livre.

Discurso direto: A reprodução do discurso do (*) personagem por meio do autor é feita de modo objetivo e direto, ou seja, o autor confere ao personagem a possibilidade de propagar suas próprias palavras. O leitor tem, dessa forma, a sensação de estar ouvindo o personagem pessoalmente falando. As marcas linguísticas presentes em tal expediente são a presença dos chamados verbos dicendi (ou verbos de dizer), como disse, murmurou, perguntou, afirmou, falou, indagou. Tais verbos são um ponto de partida para que seja introduzida a fala dos personagens.

O treinador, revoltado, chamou o seu goleiro e perguntou:
- Max, vai continuar engolindo frangos?

Percebe-se que, além dos verbos de dizer, a pontuação também indica que o próprio personagem produzirá sua fala, pela presença dos dois-pontos e travessão. O uso do travessão ( - ) denota a revolta do treinador pela atuação do goleiro embaixo do travessão (com a permissão do trocadilho).

Discurso indireto: Nesse processo, a introdução da fala do personagem é feita de modo indireto, ou seja, o autor usa suas próprias palavras para reproduzir o que diz o personagem. Vamos ao exemplo:

O treinador, revoltado, chamou o seu goleiro e perguntou se ele continuaria engolindo frangos.

Nota-se que, neste caso, o personagem não fala por si. O autor cita a fala do goleiro através da presença, também, de um verbo discendi (perguntou). Todavia, não há a presença de sinais de pontuação que indiquem fala (dois-pontos e travessão), há, aqui, a presença de conjunções integrantes (que ou se). É o discurso da vizinha fofoqueira, onisciente e onipresente.

Discurso Indireto Livre: A nomenclatura desse tipo de discurso não se dá por acaso. Nele, inexistem marcas de pontuação, próprias do discurso direto. Também não ocorrem verbos de dizer ou conjunções. Não há, desse modo, diagnosticadores evidentes dos limites entre a fala do narrador e a do personagem. Em outras palavras, o discurso indireto livre é o discurso indireto, livre (isento) de verbos de dizer.

O treinador, revoltado, chamou o seu goleiro. Você vai engolindo frangos?

Neste tipo de discurso imperam frases interrogativas, exclamativas, optativas (desejos, ordens, súplicas), interjeições e outros elementos expressivos.

A respeito dos efeitos produzidos pelos diferentes tipos de discurso no universo linguístico, o discurso direto confere ao discurso um maior tom de verdade, oferecendo um quê de preservação da integridade das palavras do dono, inclusive com entonação. Já o discurso indireto não possui marcas emocionais ou afetivas, ele denota uma grande objetividade ao texto, observa-se, então, somente o conteúdo do que foi informado. Há claramente uma distância entre narrador e personagem, aquele não se interessa tanto pela individualidade deste, apenas visa o que foi dito, sem qualquer tipo de envolvimento. O último tipo de discurso, o indireto livre, mescla o que foi dito a respeito dos dois primeiros. Do ponto de vista gramatical, o discurso é do narrador; do ponto de vista semântico, do personagem. Ele é o meio do caminho entre a objetividade e a subjetividade. 

(*) Alguns gramáticos afirmam que o correto é A personagem, devido ao sufixo –gem, o qual sugere o gênero feminino (ex.: a reciclagem, a politicagem, a sacanagem). O uso moderno da língua me faz constatar e crer que personagem é um substantivo comum de dois gêneros. Portanto, O personagem.

Ousem fofocar,
Fabrício Dutra

domingo, 16 de outubro de 2011





Dizer uma coisa para significar outra

Nem sempre, ao se produzir um texto (verbal ou não verbal), há correspondência direta entre o que se disse e o que se pretendeu dizer. Por exemplo, quando se diz a um atacante que desperdiçou três pênaltis numa mesma partida: “Você é craque! Sabe bater pênaltis”, claramente não há adequação entre o dito e o que se desejou dizer. Estilisticamente, o autor do texto desenlaçou o discurso da sua real intenção. Na verdade ele quis de dizer que o atacante é péssimo, que entraria para o Inacreditável Futebol Clube, porém, produziu o discurso contrário. O receptor, assim, claramente percebe a intenção do autor, mesmo que haja um conflito entre os dois discursos: o proferido e o entendido.

São vários os recursos que possibilitam tal construção, tal oposição. Monologarei sobre alguns deles.

O primeiro e mais famoso recurso é a chamada Ironia ou antífrase. Ele consiste em dizer alguma coisa quando na verdade se diz o contrário do que foi produzido, como no exemplo do grande atacante do primeiro parágrafo. Afirmou-se algo que, na verdade, o produtor queria negar. Outra ilustração desse processo pode ser observada quando um marido descobre, depois de casar, que sua recente esposa possui defeitos irreversíveis e insuportáveis e diz “O bom é que eu fiz a escolha certa. Casei com uma mulher perfeita.”  Na verdade, o pobre homem está arrependido da escolha que fez para sua vida. 

Outro método interessante que se deve relatar é o que se chama lítotes. Nesse expediente, diz-se menos para dizer mais. Isto é, atenua-se o que se quer dizer, para que o leitor entenda de maneira mais forte e enfática. Por exemplo, um singelo passeio com a filha de 12 anos de idade no shopping despertará em nós os desejos mais primitivos de ódio e angústia, todavia, em vez de ofender a pobre menina diretamente, o pai dirá “você não é nada consumista, hein”. A intenção de seu discurso era enfatizar e até exagerar o adjetivo consumista, mas o autor o faz de maneira atenuada. 

O terceiro e não menos importante recurso é a chamada preterição. Ocorre quando se diz alguma coisa e ao mesmo tempo se nega ter intencionado dizê-la. Por exemplo, um professor que goste de revelar em todas as aulas os seus feitos, seus salários, suas publicações, diz – “Sou servidor público federal, escrevi três livros, ganho uma fortuna e tenho os carros mais caros do mercado. Não quero, no entanto, vangloriar-me”. Será?

Há também o famoso eufemismo, que ocorre naquele conhecido caso em que um político pratica o roubo para ficar ainda mais rico. Por questões de prestígio social, eufemisticamente, a imprensa não divulga que ele roubou, e sim que ele “enriqueceu por meios ilícitos”, dá até vontade de fazer o mesmo de tão bonito, suave e agradável que é esse nome.

O último processo é mais que um sinal de pontuação, é um valioso expediente linguístico no qual se diz algo, mas fica sugerido de modo vago o que realmente se queria dizer. A reticência. Por exemplo, uma conversa de bar entre amigos – Amigo, sinceramente eu te acho um cara muito feio de cara e de corpo, mas a sua irmã...  Nesse caso, mesmo que se tenha suspendido a declaração, fica evidente o que se pretendia dizer.  

Ousem pensar


Fabrício Dutra 

quinta-feira, 13 de outubro de 2011




Argumentação sem medo

Quando o assunto é Redação Discursiva, o pensamento que circunda a cabeça dos alunos e dos candidatos é uno: “eu tenho ideias, eu penso, mas na hora de pôr no papel...”.  Tal aflição se dá, pois a maioria dos leitores e dos estudantes, no Brasil, tem pouco contato com a língua escrita. E como o ato de aquisição da linguagem é totalmente ligado à atividade (Prof. Therezinha Bittencourt), quanto menos se pratica, menos se domina o ato de escrever e, por conseguinte, suas técnicas. 

A dissertação, que é o tipo textual preferido dos concursos, possui recursos de natureza lógica e técnicas exclusivas, as quais implicam um produtor persuadindo o leitor, ou seja, o autor que escreve com intenção de convencer o receptor de algo. Essa técnica de penetrar ideias com o objetivo de persuadir alguém do que se diz se chama argumentação, e isso não é exclusivo da modalidade escrita. Argumentamos diariamente, sobre política, sobre nossas preferências, inclusive sobre futebol, quando sabemos que nossos argumentos não convencerão o interlocutor a mudar de time...

Esse assunto sempre estará longe de ser encerrado, pretendo um dia escrever algo mais vistoso e solidificado sobre o assunto (como um livro). Neste presente texto, o meu objetivo é, simplesmente, fornecer noções gerais e algumas técnicas argumentativas valiosas para o candidato que pretenda deixar de lado o medo de argumentar na escrita. Engrenemo-nos.

 A primeira técnica (e a mais subjetiva) para a qual devemos atentar é a autoconfiança para defender pontos-de-vista, deve-se sentir capaz de escrever, argumentar, pensar que defender teses (ter opinião) é inerente ao ser humano racional, basta agora aprender a botar no papel. É preciso levar o leitor a crer e a fazer aquilo que se propõe. 

Partindo para o âmbito linguístico, o ato de argumentar exige uma série de técnicas, completamente possíveis de apreender. A primeira se chama unidade. O texto deve tratar de um só objeto, uma só matéria, deve-se tomar cuidado para não fugir do objetivo principal, da ideia central, um texto precisa ser coeso (*). Possuindo unidade, uma linha de pensamento clara, não se permite que o leitor receba diversas informações desconexas, um texto que fala sobre tudo não fala sobre nada.

Outra técnica considerável é o discurso de autoridade (ou argumento de autoridade). Um texto ganha mais peso quando apoia seu discurso em outro o qual trate do mesmo tema, basta que haja valimento, ou seja, correlação lógica entre o que se diz e o que se cita.

O mais importante expediente argumentativo é trabalhar as relações de causa e efeito dentro do texto. Há, sempre, de se estabelecer relações dicotômicas (mostrar dois lados) ao se argumentar. Quando se endossa um pensamento, mostrar a causa de suas afirmações e os efeitos de uma solução que se propõe a ela transmite ao leitor segurança, coerência e certa tranquilidade ao enxergar os entornos de tal defesa. 

Com matiz de epílogo, a última recomendação dessa primeira blog-conferência sobre o universo da Redação Discursiva é a técnica que chamo de refutação dos contras. Quando se trata de um assunto que possua um cunho polêmico, sempre haverá argumentos contrários. No entanto, ainda concernente às supracitadas relações dicotômicas às quais sempre se deve aludir, não se pode ignorar que variantes contrárias ao seu argumento existam. O que se deve fazer, desse modo, é mostrá-las de igual forma, com clareza, para depois refutá-las com inabaláveis argumentos, assim, a adesão do leitor às teses do seu texto será algo completamente natural. 

(*) Texto coeso é o texto cujas ideias possuem nexos, conexões. Um texto não é um emaranhado de palavras, os elementos precisam estar semanticamente conectados.

Ousem praticar,
Fabrício Dutra

segunda-feira, 10 de outubro de 2011




Erro fatal! Falta de memória!

Havia, num passado recôndito, uma situação usual pela qual todos nós passávamos: o branco. A falta de memória. Aquele momento (horrível) em que queríamos lembrar algo específico, porém, nem São Longuinho (*) nos ajudava. Lembro-me, com entusiasmo e aflição, de muitas conversas na infância, em que era necessário lembrar alguma informação crucial (por exemplo, o nome de um filme) para poder ser compreendido em um diálogo, mas o sucesso não era obtido. Até o caminhar de uma formiga nos desconcentrava nessa frustrada tentativa. 

Por vezes, a aventura durava dias até que realmente conseguíamos recordar (depois de muitas técnicas e esforços). Opa! Lembrei! Era uma glória, um êxtase, um alívio. Felicidade que não somos mais capazes de sentir. O culpado, ou melhor, o responsável pela ausência de tal sensação se chama, genericamente, tecnologia; e, especificamente, Google e Youtube. Estamos livres da supracitada agonia de não conseguirmos, de moldo algum, lembrar certas coisas. A frase “Não me vem à memória” foi sumariamente substituída pela ordem “Bota no Google aí, pô”. Uma reunião entre amigos em casa, hoje em dia, só é interessante e divertida se houver um computador com o famoso site de compartilhamento de vídeos aberto, ou um smartphone na mão.

Sou uma pessoa extremamente impressionável com a tecnologia. Fico boquiaberto com as maravilhas de que são capazes os Iphones e os Androids da vida, na verdade, confesso que até hoje não entendo como uma voz entra em um aparelho celular e sai em outro no Acre, isso mesmo, no Acre! Adoro tudo isso, no entanto, enxergo um problema, um inconveniente nessa tecnologia toda: era realmente horrível não nos lembrarmos por dias de algo, mas, hoje em dia, nós nem tentamos mais. A primeira atitude é jogar no Google, antes até de queimarmos a "mufa", como vulgarmente se diz. 

O computador pensa por nós, e o ato de pensar é que nos diferencia dos gorilas. O computador se lembra das coisas por nós, e a memória racional é o que nos diferencia das antas. Quando eu conversava com meus avós, eles, propositadamente, contavam histórias fantásticas, que despertavam meu pensamento alegórico, faziam com que aflorasse minha criatividade imaginativa. Eu conseguia me incluir nas narrativas contadas pelo meu querido pai, como se em um livro estivesse entrando, sem que ele precisasse botar no Youtube.

Hoje, é necessário VER, ouvir. Por quê? Por que a nova geração tem preguiça até de imaginar, o computador nos mostra como é. Quando se perde a oportunidade de assistir a um programa, não tem mais a menor graça um amigo contar como foi, ele nos envia por email o vídeo no Youtube. Afinal, por que imaginar ou ouvir uma narração, se eu posso ver?

Quanto menos se imagina, quanto menos se pensa; menos criativo se é, menos inovador se consegue ser. O processo de criação, seja ele qual for, necessita de arrojo e astúcia, a criação é um potencial inerente ao ser humano. Criar é formar, dar forma a algo novo e o ato criador abrange o poder de compreensão do homem. Se dissolvemos nossa aptidão de imaginar, destruímos nossa capacidade de compreender e interpretar o mundo à nossa volta. Caso não acredite, jogue no Google a palavra-chave: Criatividade.

(*)São Longino (do latim Longinus), também popularmente referido como Longuinho, é um santo não-canônico da Igreja Católica. Na tradição popular, é invocado para encontrar objetos perdidos. (como a memória, por exemplo)

Ousem pensar
Fabrício Dutra

sexta-feira, 7 de outubro de 2011



O Hino Nacional


A subchefia para assuntos jurídicos do Planalto disponibiliza, em caráter oficial, o Hino Nacional da República Federativa do Brasil. No âmbito linguístico e social, o nosso hino, que é símbolo de nossa república, esbanja riqueza lexical, fato que aqui abordado será. Porém, o povo brasileiro tradicionalmente é acostumado a repetir e a reproduzir muitas coisas, sem pensar.

Somos detentores de uma Língua riquíssima, inteligentíssima e lindíssima, e o nosso hino é reflexo disso. Ele é cantado por jogadores de futebol na maioria dos eventos esportivos, era bastante ouvido antes das aulas de determinadas escolas, nas entregas de medalha, já foi até remixado covardemente em ritmo de funk. Todavia, antes de entrar no âmbito da estrutura do nosso belo símbolo, há de se esclarecer uma bela figura de linguagem que aparece em diversos trechos do hino, o hipérbato.

Hipérbato é a Figura de Construção em que há uma mudança na ordem dos termos da oração. Não me refiro a uma simples inversão de sujeito e predicado, tal figura é uma transposição mais forte dos termos da construção frásica. Por exemplo: “Do tamarindo a flor abriu-se, há pouco.” Percebe-se que há a inversão do adjunto adnominal “do tamarindo”, referente ao núcleo “flor”, é colocado no início da frase, claramente com efeitos poéticos, própria da linguagem conotativa. (A flor do tamarindo à ordem direta)

Voltando ao hino nacional, embora o Ronaldinho Gaúcho não perceba, sempre que finge que canta, há o hipérbato já em sua primeira estrofe.


          Ouviram do Ipiranga as margens plácidas
           De um povo heroico o brado retumbante,
        E o sol da liberdade, em raios fúlgidos,
       Brilhou no céu da pátria nesse instante.

Em uma aula que ministrei certa vez, houve o  primeiro questionamento: “quem é o sujeito de ouviram?” Indeterminado! Alguns responderam. “As margens plácidas”, outros responderam. Se houvesse acento grave em “as margens plácidas”, a impossibilidade de que tal termo fosse sujeito seria nítida. Como neste termo há o artigo definido as (adj. adnominal) do núcleo margens, nota-se que, conotativamente, o autor quis dizer:


As margens plácidas do (Rio) Ipiranga ouviram.

Outra figura linguagem surge nesse momento: a personificação (ou prosopopeia). Como se as margens de um rio tivessem o poder de ouvir algo, característica própria de um ser animado. Surge, então, a segunda pergunta: Ouviram o quê? Quem é o complemento, o objeto do verbo ouvir? Sabendo-se que brado significa grito e que retumbante é algo forte, que provoca eco, infere-se que só se pode ouvir um grito forte, proferido por um povo heróico. Sendo assim:

As margens plácidas do (Rio) Ipiranga ouviram o brado retumbante de um povo heróico.

Esse processo é evidenciado em outros versos do nosso hino. Mesmo que não sejamos acostumados a valorizar nossa Língua, o pontapé inicial foi dado. Ouça o hino, reflita sobre ele, faça o mesmo exercício, perceba sua riqueza de linguagem, analise o que está ouvido, suas metáforas. Dando uma atenção maior ao nosso idioma, a imagem do Cruzeiro resplandece em nossas mentes. Não fique sempre deitado eternamente em berço esplêndido. Levante-se, leia, estude e quem sabe, assim, realmente perceberemos que um filho desta pátria não foge à luta.



Ousem pensar,
Prof. Fabrício Dutra

quinta-feira, 6 de outubro de 2011





A lógica na Língua Portuguesa

Costuma-se dizer que quase todos os acontecimentos da vida respeitam uma certa lógica. Na Língua Portuguesa, os professores nos deparamos com alguns comentários (pessimistas) por parte dos alunos a respeito de um eficaz entendimento do funcionamento das estruturas gramaticais. Pelo menos nos primeiros dias de aula de um Curso de Português, sussurra-se que nada naquilo faz sentido, que Português é quase impossível de se entender, que é preciso estudar loucamente, além de ter de memorizar tudo. Ou seja, o tipo de comentário que sugere uma resposta própria de um líder religioso diante de uma pessoa aflita por certos eventos ruins da vida: “Calma! Estamos só começando. Mostrarei a vocês a verdade, o caminho e a luz!”.


O tal líder religioso precisaria recorrer ao sobrenatural e ao fantástico, por vezes, para convencer um ser lamentoso a ser acalmar. Já no nosso amado Português, sempre há uma lógica que explique qualquer análise ou classificação do nível do morfema ao nível textual. Nada acontece por acaso na Língua Portuguesa, tudo respeita essa lógica, esse nexo, seja no campo da Linguística (psicolinguística e sociolinguística), seja no maravilhoso universo da gramática. Discorrerei acerca desse último campo, o que mais deixa os candidatos assaz angustiados.

O aluno precisa conhecer as diversas unidades que compõem um discurso. Da mínima à máxima. É necessário que ele entenda que tudo começa com um simples morfema (elemento mínimo dotado de significado) e que, a partir desse morfema, formam-se palavras. Tais palavras, que compõem os termos e as cláusulas da oração, depois de formadas, articulam-se diretamente em nossa Língua (cada uma pertencendo a uma classe gramatical). Por exemplo, um adjetivo (que é um termo da oração, composto por morfemas e que exerce uma função sintática) só existe com a ilustre missão de se referir a um substantivo. Ou seja, é subordinado por natureza, visto que sua essência está vinculada a outro termo. Então, no exemplo “O professor motivado faz a turma ir longe”. Motivado é um adjetivo, um termo composto por morfemas (motiv + ado), subordinado ao substantivo professor (pois se refere a ele), com função sintática de adjunto adnominal e que, semanticamente, restringe tal núcleo substantivo. Afinal, não é qualquer professor que faz a turma ir longe, é somente motivado.
Do termo motivado surgem as seguintes conclusões: ele é um Termo, é Subordinado, é Adjetivo Restritivo e Adjunto Adnominal. Para tal análise, levam-se em conta diversas modalidades do Português, como a Morfologia, a Sintaxe e a Semântica.

A grande problemática reside no fato de o professor estar acostumado a encarar uma turma cuja base ele não conhece, não entende suas dificuldades, suas aspirações e já se vê obrigado a fazer com que o aluno saiba classificar uma “Oração Subordinada Adjetiva Restritiva Reduzida de Gerúndio”. Para tal análise, também se levam em considerações as supracitadas modalidades da Gramática. É preciso compreender sintaxe e semântica para entender o que é uma subordinação, além de ser essencial perceber que morfologicamente tal oração se comporta como um adjetivo (que se referente a um núcleo substantivo). que, por sua vez, sintaticamente, exerce papel de adjunto adnominal do núcleo e que, morfologicamente, tal oração não possui conectivo, sendo assim, ela é introduzida por uma forma nominal do verbo (O gerúndio).

Caso o aluno seja capaz de fazer essa análise completa, deste simples termo da oração, respeitando TODAS as lógicas do Português: “O professor motivadofaz a turma ir longe”, ele não possuirá dificuldade em perceber do que se trata o termo em negrito na seguinte construção: “O professor motivando todos os alunos faz a turma ir longe”.
Toda ciência possui sua lógica e o seu entendimento faz com que muitos esforços inúteis sejam eliminados de nossas vidas, por exemplo, a História. Quando se entende a lógica e o encadeamento dos acontecimentos históricos, ninguém mais se preocupa em decorar datas, elas fluem naturalmente. Assim como a Física e a difícil missão de decorar fórmulas, quando se entendem as ferramentas da Física, gravar fórmulas se faz desnecessário. Com a Língua Portuguesa, não é diferente.

Ousem pensar,
Prof. Fabrício Dutra